quarta-feira, 6 de agosto de 2014


"Quai Voltaire.
O ar estava agitado. Eu tinha esquecido os Quies para os ouvidos e me vi no meio dum verdadeiro inferno de ruído durante duas horas e meia. Sinto-me muito fatigada e, em consequência disto, meu suave Walter, um pouco sentimental e sola sola*. Por que não estás aqui para me consolar da insuportável tristeza desta magnífica noite que faz lá fora de minha janela? O Louvre, o rio, o céu dum verde de cristal, a luz do sol, e estas sombras veludosas - tudo isto dá desejos de explodir em lágrimas. E não é somente a paisagem. Meus braços nas mangas de meu roupão, minha mão enquanto escrevo, até os dedos nus de meus pés, agora que deixo cair, meu chinelos - é terrível, terrível. E quanto a meu rosto no espelho, a meus ombros, às rosas alaranjadas, aos peixinhos da mesma cor, às cortinas de Dufy e a todo o resto - sim, todo, porque tudo é igualmente belo e extraordinário, mesmo as coisas opacas e feias -, tudo isso é demais para se suportar. É demais. Não posso, e, o que é mais, não hei de suportar... Intervalo de cinco minutos. É porque telefonei a René Tallemant para ele vir tomar um coquetel e me levar a alguma parte onde a gente se divirta, malgré**minha dor de cabeça. Recuso simplesmente me deixar levar pelo mundo exterior. Conheces René? Realmente, é um homenzinho surpreendente. Mas eu preferia que fosse tu, apesar de tudo. É hora de eu ir por alguma roupa. À toi***
Lucy."
Aldous Huxley - Contraponto
* extremamente só
** apesar de
*** tua